PERFORMANCE ARTÍSTICA NO VIVO E AO VIVO ( Bia Medeiros)

 A performance é arte tornada ação corporal efêmera, realizada no vivo ou ao vivo, isto é, 
realizada com a presença de performers, artistas e interatores (espectadores convidados à 
participação) ou realizada por meio de novas tecnologias de comunicação, como a inter- 
net. Aqui, não consideramos toda ação (to act) performance (to perform). O que denomi- 
namos performance é arte, isto é, voluntariamente ato que visa revelar o outro do mundo 
sensível e, assim fazendo, criar faíscas de sensível inteligibilidade, entre seres humanos. 
Inteligibilidade sensível entendida sempre como faísca: pedaços desgarrados de com- 
preensão redimensionável. E o sensível inteligente como aquilo que perdura. A sensação é 
aquilo que dura (DELEUZE; GUATTARI, 1991). A percepção é aquilo que nos deixa abertos 
ao mundo. A performance quer tocar a percepção e ser guardada como sensação acarici- 
ada por alguma busca de compreensão. 
A performance artnasceu como happening(evento); alguns a chamaram body-art, ou- 
tros, art corporel, todos reivindicando para si o lusco-fusco inicial de um novo movimen- 
to artístico. Allan Kaprow, em 1984, em Salzburg, confidenciou-nos que apenas Wolf 
Vostell e ele faziam happenings, segundo a sua concepção de happening, qual seja, 
ação artística envolvendo a participação ativa do público. Como Kaprow, entendemos 
performance como ação aberta à participação do público, que assim não mais se chama 
“público”, mas “interator”. Aberta à participação do interator, toda performance teria 
um viés de improviso. François Pluchart (1983, p. 123) preferiu intitular seu livro L’art 
corporel(arte corporal) e assim se colocou: “Se a expressão ‘arte corporal’ tem o méri- 
to de manter a questão do corpo no interior do domínio da arte, a palavra ‘performance’ 
gerou os piores mal-entendidos”.1 Concordamos com Pluchart: o corpo é o sujeito e o 
objeto da arte da performance. 
Arnaud Labelle-Rojoux (1988, p. 310), em L’acte pour l’art, fala, sem discriminação, sobre a 
história dos happenings, da art corporel, e termina afirmando: “Qualquer forma que ela [a arte 
ação] tome é, no entanto, o fundo que é impossível negar: ela ‘esteve lá’. Melhor: ela está lá. 
Ela se chama performance, diferente, ela terá amanhã outro nome”. Assim, entende-se per- 
Maria Beatriz de Medeiros é pós-doutora 
em Filosofia, doutora em Artes e Ciências da 
Arte (Université Paris I-Sorbonne), coorde- 
nadora do Grupo de Pesquisa Corpos 
Informáticos (www.corpos.org), artista visual 
(exposições em todo o Brasil e no exterior) e 
professora do Departamento de Artes Visuais 
da Universidade de Brasília (UnB). Possui 
diversos livros e textos publicados. 
PPEERRFFOORRMMAANNCCEE  AARRTTÍÍSSTTIICCAA  NNOO  VVIIVVOO  EE  AAOO  VVIIVVOO 
MARIA BEATRIZ DE MEDEIROS 
Certo, eu não o compreenderei jamais; 
eu não aprenderei nunca quem você é; 
você permanecerá sempre fora de mim. 
Mas esses: não ser eu, não ser mim, nem meu, 
tornam a palavra possível e necessária entre nós. 
Luce Irigaray 
1 Esta e as demais citações escritas origi- 
nalmente em língua estrangeira foram aqui 
livremente traduzidas por nós. 
Textos / PERFORMANCE PRESENTE FUTURO 23
formance como arte-ação, o ato tornado arte, a arte tornada ação. Mas a compreendemos, 
sempre, como intersubjetividade. Assim, a performance em telepresença define-se por ações 
realizadas entre interatores, mediados por máquinas. Do nosso ponto de vista, o “mover robôs 
à distância” não configura performance artística, arte corporal ou happening, por não envolver 
geração de intersubjetividade. No entanto, ações realizadas à distância, por um ser humano, 
por meio de máquinas, pode ser arte, mas não a denominamos performance. 
A performance pode se dar na rua, em espaço in situou em telepresença. Na rua e em 
telepresença, ela tem maior possibilidade de atingir pessoas que não circulam no circuito 
das artes e assim ampliar seus espectros. 
A performance é uma exterioridade diante do mercado de arte. Sendo obra de arte 
efêmera, ela está muito longe de ser objeto de consumo. Sendo imaterial, ela se nega 
como bem de consumo. Sendo muitas vezes realizada em grupo, ela desfia o conceito de 
autoria. Aberta à participação do interator, ela radicaliza seu caráter gasoso. 
A performance é carícia, logo metamorfose: inédita, efêmera, translingüística, grupal, inter- 
subjetividade. Ela se inventa a cada atuação, relacionando-se com o espaço específico 
onde se dá. Improviso. Ela é linguagem sem gramática, sem léxico. Não funda conceitos, 
testa, experimenta. Realiza-se e nada conclui. Deixa o interator abandonado à sua per- 
cepção desestabilizada. 
CIÊNCIA NÔMADE Deleuze e Guattari (1991) muito caminharam no pensar e muitos 
universos camuflados nos abriram. No entanto, percebe-se em seus escritos que os mes- 
mos se perderam em dualidades. Convenhamos, ao final de cada texto, eles sempre afir- 
mam que os dois extremos se confundem, se inter-relacionam, se interpenetram: esta- 
do/máquina de guerra; espaço liso/espaço estriado; ecúmeno/planômeno; con- 
ceito/expressão etc. Porém, o conceito de “rizoma” nos levaria a uma compreensão mais 
dinâmica do mundo: um lugar de trocas, seres vivos em transformação, algo que acontece 
no tempo: “Um rizoma não começa nem conclui, ele se encontra sempre no meio, entre 
as coisas, inter-ser, intermezzo” (DELEUZE; GUATTARI, 1991, p. 37). 
Deleuze e Guattari propõem “rizoma”; nós propomos o conceito de “Maria-sem-ver- 
gonha”,2que faz rizoma quando seus caules, pesados de flores, prostram-se sobre a terra, 
mas também produz cápsulas herbáceas que explodem, espalhando sementes mínimas. 
Assim, a Maria-sem-vergonha é árvore e rizoma simultaneamente. E por conter “ia-sem- 
ver”, ela privilegia todos os sentidos, retirando o valor da visão dado pela arte desde há 
muito. A performance envolve a totalidade dos sentidos: corpo, perfume, tato, toque, som, 
movimento, o outro etc. 
Com esse conceito, aproximamo-nos de nosso conceito de performance e sentimo-nos 
confortáveis como mulheres que somos. Como mulheres, pois essas são os verdadeiros 
corpos sem órgãos da civilização ocidental. 
2 Maria-sem-vergonha é um conceito de- 
senvolvido pelo Grupo de Pesquisa Corpos 
Informáticos. Maria-sem-vergonha: erva 
suculenta, da família das balsamináceas 
(Impatiens sultani), originária de Zanzibar, e 
que cresce espontaneamente no Brasil, 
podendo ter flores rubras, violáceas ou alvas. 
Quase uma praga, necessita de muita água e 
sol. Na seca, quase desaparece; na época de 
chuva, renasce com força quase infantil. 
PERFORMANCE PRESENTE FUTURO / Textos24
Ainda, com Deleuze e Guattari (1991, v. 5), em Mil platôs, podemos dizer que a arte sem- 
pre foi uma ciência nômade. A arte, mas como rasgo maior diríamos que a linguagem artís- 
tica performance, é, atualmente e desde seus primórdios, a “ciência nômade” por excelên- 
cia, pois ela vem revertendo o tranqüilo mercado econômico onde a arte se instalou con- 
fortavelmente. Ela é ciência nômade, ela se quer carícia (IRIGARAY, 1997) e carinho. Nela, 
subjetividades se dão no respeito recíproco. 
Tentemos um paralelo entre a linguagem artística performance e o que Deleuze e Guattari 
(1991), partindo de Michel Serres, afirmam ser uma “ciência menor” ou “ciência nômade”. 
# (jogo-da-velha) 1. “O fluxo é a realidade mesma ou a consistência” (DELEUZE; GUAT- 
TARI, 1991, p. 25). 
A performance se dá no tempo e se concretiza no efêmero, sendo, então, por excelên- 
cia, fluxo. Realizada em grupo e aberta à participação do interator, ela é permuta, seu 
espaço é gasoso. Ela é heterogênea: sendo troca viva, não se estabiliza; sendo efêmera, 
desafia a morte. A performance artística é sempre ímpar e inconstante, construindo-se 
como circunstância.  
Pensemos também na idéia de fluxo para pensar a performance. Sendo fluxo, fluido, mas 
sobretudo gasoso, o espaço da ciência nômade deve ser necessariamente todo o espaço: 
espaço “público”, a rua, o espaço institucionalizado, a praia, lá onde você caminha, lá 
onde me sento para ler na rua, na rede mundial de computadores. Trata-se de compor: 
composição.3 
# (jogo-da-velha) 2.“É um modelo de devir e de heterogeneidade que se opõe ao está- 
vel, ao eterno, ao idêntico, ao constante” (DELEUZE; GUATTARI, 1991, p. 25). 
A arte, a partir da linguagem artística performance, abre-se para possibilidades de permu- 
tas inéditas. Trata de levar uma proposição ao interator, levar certos instrumentos, reben- 
tos, alguns papéis, ou apenas palavras, gestos, e com esses poucos ou muitos elementos 
tentar suscitar reação. É o ser humano, todo e qualquer, a quem se dá a palavra, o gesto, 
o chamado, a resposta. 
Marcel Duchamp, colocando um objeto – não qualquer – encontrado (ready-made) na 
galeria de arte, alegou: “Isto é arte porque eu sou um artista”. Joseph Beuys afirmou: 
“Todo homem é um artista”. Assim, se arte é mesmo aquilo que toca os sentidos, como 
afirmei em Aisthesis(MEDEIROS, 2005), se o próprio da arte é gerar afectose perceptos, 
como afirmam Deleuze e Guattari (1991), então todos são suscetíveis de encontrar e 
destacar em nosso mundo pleno de objetos aqueles perceptosque os afectam. 
A possibilidade de participação na criação e execução de uma obra artística alerta para 
essa necessidade de se sentir existindo.
3 Ver Medeiros e Martins (2007). 
4 Medeiros (2007). 
Textos / PERFORMANCE PRESENTE FUTURO 25
# (jogo-da-velha) 3.“O modelo é turbilhonar, em um espaço aberto onde as coisas-flux- 
os se distribuem” (DELEUZE; GUATTARI, 1991, p. 25). 
Aqui Deleuze e Guattari se referem à diferença entre o espaço liso e o espaço estriado. 
Esses conceitos utilizados são, de fato, emprestados a Pierre Boulez, que distingue esses 
dois espaços-tempos da música: espaço liso onde “se ocupa o espaço sem medi-lo”; e 
espaço estriado, onde “se mede o espaço a fim de ocupá-lo”. Notemos que são 
espaços-tempos. No espaço estriado, a medida pode ser regular ou irregular; no entan- 
to, ela é sempre determinável. No espaço liso, o corte, ou a separação, “poderá efetuar- 
se onde se quiser”. 
Podemos comparar a performance à música de Boulez. Ambas ocorrem no espaço-tempo 
liso, no qual o improviso abre a obra de arte para a ruptura, o sobressalto. Esses ocorrerão 
em inesperados momentos. 
# (jogo-da-velha) 4. “O modelo é problemático, e não mais teoremático” (DELEUZE; 
GUATTARI, 1991, p. 25). 
“Aqui se caminha de um problema aos acidentes, aqui existem deformações, transmu- 
tações, passagens ao limite, operações em que cada figura designa um ‘acontecimento’ 
muito mais que uma essência. [...] O problema não é um ‘obstáculo’, é a ultrapassagem 
do obstáculo, uma pro-jeção, isto é, uma máquina de guerra” (DELEUZE; GUATTARI, 1991, 
p. 26, ênfase no original). 
Na performance, existem acidentes, transmutações, passagens ao limite, em que cada figu- 
ra designa um acontecimento e também uma essência. No entanto, acreditamos que o 
interessante em uma ciência nômade não seria ultrapassar um obstáculo, nem uma pro- 
jeção, muito menos uma máquina de guerra. Esses pensamentos, a nosso ver, têm uma raiz 
masculina. 
A ciência nômade da performance se quer carícia, carinho, respeito à intersubjetividade, 
descoberta de um mundo feminino. Aqui não há nem pro-jeto, nem máquina de guerra. 
Como Luce Irigaray (1997), acreditamos que o esquecido é o ser dois (être deux), o entre 
dois no qual a cada um é dado o direito de ser e de ser com. É um pensar e fazer o mundo 
como algo que se dá entre, entre pessoas, entre sensibilidades, entre seres humanos, entre 
subjetividades fluidas.5 
A carícia é um ato intersubjetivo (IRIGARAY, 1997, p. 54). 
Quanto à noção de acontecimento, citaremos Michel Foucault (2005, p. 87): “O aconteci- 
mento – a ferida, a vitória/derrota, a morte – é sempre efeito, perfeita e belamente pro- 
duzido por corpos que se entrechocam, se misturam ou se separam”. 
5 Irigaray (1997), em Être deux, apresenta a 
base de uma relação com o outro que per- 
manece ignorada. Ela critica os monopólios 
patriarcais e tenta elaborar uma cultura com 
dois sujeitos respeitosos de suas diferenças 
buscando a coexistência na diversidade. 
PERFORMANCE PRESENTE FUTURO / Textos26
O acontecimento se dá na relação, relação de corpos plenos ou espectrais em suas subje- 
tividades abertas e respeitosas do outro. Isso, sem ferida, sem vitória/derrota que tanto 
apreciam guerreiros másculos. Da morte, estamos enojadas. Diríamos: o acontecimento – 
carinho, encontro/desencontro, partilha – é sempre feito, defeito, intrigantemente, produzi- 
do por corpos, reais e espectrais, que se acariciam, se misturam ou se separam. 
O significado de uma performance depende de um reconhecimento de si no outro. O toque 
tenta sentir o outro. A carícia é permuta efetiva. Desejo de encontro. A performance arttraz 
para a arte elementos desse desejo de partilha.  Aisthesis. Realizada no vivo ou ao vivo, 
ela permite interação de seres desejantes e isso é o que consideramos característica maior 
da performance. 
A performance se quer troca no espaço gasoso do entre dois. Não se trata de impor uma 
faceta de realidade nem uma possibilidade como verdade. Trata-se de compor em um 
entrelaçar. O espaço da performance pode ser o entre espaço onde subjetividades se 
propõem ao jogo. 
Bibliografia 
DELEUZE, Gilles; GUATTARI, Félix. Qu’est ce que la philosophie?Paris: Minuit, 1991. 
FOUCAULT, Michel. Um diálogo sobre os prazeres do sexo.Nietzsche, Freud, Marx. Theatrum Philosophicum. São 
Paulo: Landy, 2005. 
IRIGARAY, Luce. Être deux. Paris: Grasset, 1997. 
Labelle-Rojoux, Arnaud. L’acte pour l’art. Paris: Les Éditeurs Evidant, 1988. 
MEDEIROS. Maria Beatriz de. Aisthesis. Estética, educação e comunidades. Chapecó: Argos, 2005. 
______ (org.). Bernard Stiegler. Reflexões (não) contemporâneas. Chapecó: Argos, 2007. 
______; MARTINS, Fernando Aquino. Parafernálias: composição urbana e ueb arte iterativa. Polêmica, n. 22, 
out./dez. 2007. Disponível em: . Acesso 
em: 9 jul. 2008. 
MOLES, Abraham; ROHMER, Elizabeth. Psychologie de l’espace. Bruxelas: Casterman, 1978. 
PLUCHART, François.L’art corporel.Paris: Images 2, 1983. 
STATES, Bert O. Performance as metaphor. Theatre Journal, Baltimore, p. 1-16, mar. 1996. 
Textos / PERFORMANCE PRESENTE FUTURO 27

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